quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Império ou República: de Joplin, no Missouri, a Cabul, no Afeganistão


James Petras - A 29 de Maio de 2011 o presidente Obama visitou Joplin, no Missouri, o local de um devastador tornado que matou 140 pessoas dizendo que era uma ´”tragédia” terrível. Mas foram estas mortes o resultado inevitável de “circunstâncias naturais” para lá do alcance da intervenção humana?

Coincidentemente na mesma semana o presidente afegão, Karzai, condenou o assassinato de uma família de 14 pessoas por um caça bombardeiro da NATO, somando-se ao total de várias centenas de mortos até à data, só este ano, e a milhares ao longo desta década.

A relação entre as mortes civis em Joplin e no Afeganistão suscita questões fundamentais acerca das prioridades, personalidade e direcção do império americano e do futuro da república americana.

Geografia dos tornados

Todos os anos pelo menos 20 grandes tornados violentos - com ventos que excedem as duzentas milhas por hora - atingem “a rota dos tornados” e não só, incluindo o Texas central, o norte do Iowa, o Kansas central, o Nebraska, o Ohio ocidental, o Missouri, o Indiana, o Mississipi, o Louisiana e o Alabama. Todos os anos pelo menos 60 pessoas morrem e várias centenas ficam feridas com maior ou menor gravidade. Este ano, durante o mês de Maio de 2011, já morreram mais de 519, 25% dos quais viviam em roullotes, cerca de três vezes mais do que aqueles que habitavam em casas convencionais.

Por outras palavras, estas mortes devidas aos tornados são previsíveis, anuais, em regiões específicas e incidem mais em lares de baixos rendimentos. As agências governamentais e os académicos compilaram dados e mapas cronológicos cartografando a rota, frequência e impacto dos tornados.

A informação acerca das características dos tornados assassinos é abundante. Não obstante o número de mortes aumenta de ano para ano. O medo e a insegurança assolam as regiões mais susceptíveis à violência dos ventos, ao mesmo tempo que o Congresso e a Casa Branca aumentaram o pessoal e o financiamento da “segurança interna” vinte vezes no decorrer da década. O corrente orçamento é de mais de 180 mil milhões de dólares. Se lhe somarmos as mortes causadas por outros desastres naturais como as cheias de Nova Orleães, o número de mortes é chocante. Como é que se explica esta relação perversa entre o gigantesco financiamento público da “segurança interna” e a acrescida insegurança de americanos vulneráveis em zonas de perigo claramente identificadas?

O motivo é claro: a “segurança interna” (SI) é um termo da novilíngua orwelliana. A agência não se preocupa com a segurança doméstica, civil, americana. A SI faz parte de uma resposta militar-policial a imaginadas ameaças externas, que não se materializaram ou, pelo menos, não produziram mortes comparáveis aos tornados e cheias dos últimos 11 anos.

A SI gasta milhares de milhões e emprega milhares para investigar, espiar e assediar cidadãos que estão empenhados em actividades legais sob o ponto de vista constitucional. A SI e o Pentágono gastam dezenas de milhares de milhões em infra-estruturas no estrangeiro - edifícios, bases, campos - e mais de novecentos milhares de milhões em armas. A SI e o Departamento da Defesa usam a força militar para intervir em todo o mundo através de operações às claras, ou clandestinas.

Para precisar, a SI intervém no estrangeiro de forma desproporcional, atacando alvos civis, ao mesmo tempo que não consegue empenhar-se em proteger civis americanos no próprio país, deixados indefesos perante desastres naturais previsíveis.

As violentas e continuadas operações no estrangeiro da Segurança Interna e do Pentágono são rejeitadas e vistas como uma intervenção imperial hostil pelos civis dos países que sofrem os seus efeitos adversos. Por contraste, os cidadãos indefesos nos Estados Unidos acolheriam de bom grado uma intervenção em larga escala que tomasse a forma de abrigos comunitários, que providenciassem sobrevivência, segurança, protecção vital e ajuda financeira para a reconstrução das suas vidas. Para além disso, os gastos do Pentágono e da SI em infra-estruturas no estrangeiro, bases e bombas, resulta em défice, enquanto que investimentos em abrigos contra tornados e cheias estimulariam a criação de empregos, o crescimento e o investimento nos Estados Unidos.

A actual actividade da SI destrói vidas no estrangeiro e negligencia a sobrevivência doméstica: nada tem que ver com a nossa “segurança” e ainda menos é “interna”. Cinco porcento do orçamento da Segurança Interna teria evitado muita da tragédia de Joplin (e ter-nos-ia salvo da oratória gasosa de Obama!) bem como as outras 400 mortes provocadas pela colheita de tornados deste ano.

Bases sistémicas da negligência doméstica perpétua

A morta às mãos de eventos “naturais” coloca uma questão política fundamental: porque é que o orçamento da SI e do Pentágono é direccionado para o estrangeiro, para actividade militar destrutiva e desproporcional em vez de para actividade defensiva, doméstica, construtiva a fim de proteger vidas americanas e a actividade económica produtiva?

O problema é sistémico e por tal não é devido a uma qualquer falha pessoal ou idiossincrasia política do momento. As estruturas da economia dos Estados Unidos e as instituições militares são orientadas “para fora” a fim de conquistar mercados financeiros estrangeiros e construir um império militar. A ideologia que conforma os decisores políticos estratégicos é de inspiração imperial e não de inspiração republicana: não falam em desenvolver e aprofundar a economia e a segurança da região centro-oeste dos EUA. Todos e cada um dos membros da elite empresarial e política falam de liderança “mundial” ou “global” - um eufemismo tenuamente velado para sancionar o domínio mundial. Dentro dos parâmetros imperiais todo o orçamento da “segurança” é direccionado para a manutenção da supremacia militar ofensiva. Não admira que haja um declínio aprofundado em todas as esferas da segurança doméstica - natural, social, pessoal, na saúde e no emprego - um processo continuado que suscita pouco debate público. A única excepção é quando as ameaças à segurança colidem mais directa e forçosamente com um sector significativo da população. Por exemplo, note-se a tempestade de protestos por parte daqueles directamente afectados quando os políticos quiseram privatizar a Segurança Social e a Medicare.

Contudo, durante os últimos trinta anos todo o espectro político, os dois partidos, o Congresso e a Casa Branca, criaram um consenso artificial no qual guerras no estrangeiro, ajuda externa a patronos (Israel) e clientes (Paquistão e Egipto), absorver a grande percentagem dos gastos orçamentais. Nenhuma liderança político-económica se apresentou a fim de articular a conexão óbvia entre a expansão global e a decadência doméstica; para declarar forçosamente que a deterioração da República é o produto directo da canalização de vastos recursos para a criação de um Império militar e económico. Quem na Wall Street de Nova Iorque ou no Pentágono de Washington irá alguma vez dar uma vista de olhos ou tomar em consideração um “plano de segurança” no que diz respeito à geografia das catástrofes - a rota dos tornados que cobre uma dúzia de Estados e as cheias e mortes que assolam as terras baixas do Montana ao Louisiana?

Ouve, América, a sua mensagem é clara e audível

As pequenas cidades e os parques de roullotes não contam! Têm a vossa segunda emenda (o direito a usar armas), têm o vosso “pequeno governo”, e têm as vossas bandeiras: “ondeiem-nas e chorem” enquanto os tornados vos destroem as casas e os vossos filhos e filhas regressam enrolados em bandeiras ao som do hino de batalha do Império!

Conclusão

Poderemos argumentar que abrigos comunitários contra as tempestades não arruinarão o Tesouro ou abaterão o Império. Mais precisamente, a sua ausência, da agenda política local, estatal e federal, é emblemática da total subordinação da América doméstica à Washington imperial. O “custo” da construção de abrigos comunitários nas zonas comercias e nos parques de roullotes em Joplin, no Missouri, é menor que um posto de treino avançado regional em Kandahar, no Afeganistão. Não se trata de uma questão de dinheiro.

Conquistar aldeias afegãs aumenta o prestígio dos generais, do Estado Maior das Forças Armadas e dos funcionários da NATO. Será que salvar 145 vidas em Joplin, no Missouri, se lhe pode equivaler em termos de política global ou em termos da política de liderança imperial? No Afeganistão, Washington constrói inúmeros abrigos e bunkers à prova de bomba. No que aos americanos que vivem na rota dos tornados e nas planícies sujeitas a cheias do Mississipi diz respeito, cada um que se arranje como puder.

Quando ouvir o aviso de tornado, é lá consigo. Enquanto americano livre e orgulhoso bem pode arranjar uma pedra sob a qual se esconder e rezar: o Governo Federal e a Segurança Interna têm a guerra contra o terror, global e sem fim à vista, para travar e não estão para ser incomodados com lares de terceira idade em Joplin, no Missouri, na rota de um tornado.

Exageramos: Obama chegará de jacto e discursará perante as câmeras em termos solenes, acerca da “tragédia” e da “coragem” da população de Joplin… mas será que algum político local se erguerá e dirá a verdade ao poder? Muitas destas mortes, e muitas outras mais por vir, são evitáveis; numa República Americana Democrática, o governo “intervém” para providenciar protecção, saúde e emprego para a sua população.

Entretanto, enquanto o Império continua a crescer vai destruindo o seu próprio povo, tal como a porca que devora os seus próprios filhos.

in Finis Mundi nº 4, Outubro-Dezembro, 2011.

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